Caso Egon Butzke
Entre tantos outros casos não solucionados, podemos encontrar o do vereador Egon Butzke do PFL (Partido da Frente Liberal, atual DEM). Aos 38 anos e no último ano de seu segundo mandato, ele foi morto com 10 facadas em frente ao portão de sua casa no dia 02 de agosto de 2004. Fato que chocou a região.
Se manteve na posição de vereador por quase oito anos. Em todo esse tempo, nunca se envolveu em brigas políticas, partidárias ou irregularidades.
“Ele era um vereador extremamente ativo. Fez mais por essa cidade do que muitos outros. Uma pena o que aconteceu com ele e a forma brutal como o fizeram. Apesar de o crime nunca ter sido desvendado verdadeiramente e divulgado os autores, todos da cidade sabem quem foi.”, afirma moradora local.
As investigações do caso iniciaram nas mãos do delegado Rodrigo Emanuel Marchetti do Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC) de Blumenau. No início, foram levantadas três possíveis hipóteses para os autores do crime: a) crime político, pelo seu envolvimento com a cassação do prefeito; b) vingança de traficantes de drogas, por ter citado na tribuna a venda de drogas em determinado bairro da cidade; e c) vingança de proprietários de uma casa de prostituição, por ele ter liderado uma campanha para erradicar a prostituição no bairro onde morava.
Em entrevista, sua esposa explica as hipóteses. Sobre a questão envolvendo drogas, ela diz ter sido apenas um pronunciamento elogiando a ação da polícia numa ocorrência quando foram presas umas três pessoas que estavam vendendo maconha. Sobre os casos de prostituição, Eliane explicou que o fato aconteceu cinco anos antes do assassinato, quando Egon presidia a associação de moradores do bairro e apoiou um abaixo-assinado pedindo o fim dos prostíbulos. Mas o caso foi equacionado.
Com o andamento das investigações, apenas a primeira hipótese pareceu válida e se manteve como principal.
Marchetti prendeu 3 suspeitos que acabaram sendo liberados por falta de provas. Apreendeu uma faca e um revólver que, suspostamente, teriam sido as armas utilizadas no crime, porém, a perícia técnica não indicou relação de causalidade com o crime. Havia um quarto suspeito que não foi localizado. Foram tomados 60 depoimentos, contudo não foram suficientes para identificar o autor e o motivo do crime.
Vários são os fatos que tornam hipótese de crime político como sendo a mais provável e verídica. Ele foi eleito para presidir a Comissão Processante da Câmara de Vereadores de Rodeio e a CPI que culminaria na cassação do prefeito da época, Antônio José Venturi (PMDB). Sua esposa afirma que no dia em que a eleição para presidente da comissão aconteceu, o vereador chegou em casa alegando que teriam armado para ele presidi-la e que estava descontente com o ocorrido. “Ele chegou em casa e disse que estava com o nome marcado.”
Eliane conta que várias vezes tentaram comprar o silêncio de Egon: “ele era um homem bom, queria que o que era correto fosse feito. Nunca aceitou propina que ofereciam para comprar seu silêncio. Hoje penso que se ele tivesse aceitado, se ele fosse um corrupto, nada disso teria acontecido.”
Entenda o caso da cassação
Em 2002 foi aberto o processo que culminaria da cassação do prefeito Antônio Venturi. O processo deu início quando as responsáveis pelas secretarias da Saúde e Educação do município o denunciaram por suspeita de desvio de recursos públicos.
O promotor responsável pelo caso, pediu ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina que uma auditoria especial fosse encaminhada para a cidade para que os dados fossem devidamente analisados.
Em maio de 2003, o Promotor propôs uma ação civil pública por improbidade administrativa, acusando o prefeito de desvio de recursos. Então, ele foi afastado do seu cargo em 30 de junho.
Em 14 de julho ele foi reintegrado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, e em novembro de 2003 foi afastado novamente pelo Tribunal. Em 7 de abril desse ano ele voltou a ser reintegrado pelo STJ, que entendeu que a competência para julgar não era da Primeira Instância.
A CPI então foi votada no plenário da Câmara dos Vereadores em 2004, onde então ficou decretada a cassação do mandato do prefeito em exercício.
O dia do crime
No dia 02 de agosto de 2004, numa sessão da Câmara estava sendo aprovado o relatório final com um requerimento que apenas encaminhava o resultado da CPI para o Tribunal de Contas do Estado. Esse requerimento foi transformado, criando uma comissão processante para que investigasse as acusações, podendo culminar com a cassação dos direitos políticos do prefeito no âmbito da Câmara de Vereadores.
Após participar dessa reunião, o vereador Egon fez visitas a alguns enfermos do bairro onde morava e foi para casa. Ele costumava fazer sempre o mesmo caminho para voltar para casa, porém, naquele dia coincidentemente mudou o trajeto.
Chegou em casa por volta das 19 horas. Saiu do carro, deu um beijo no rosto da esposa, senhora Eliane Butzke, e foi para o quarto. Ela estava na cozinha quando ouviu alguém batendo palmas e chamando no portão. “Ele me perguntou se era a casa do vereador e disse que precisava falar com Egon. Como já estava escuro e ele estava virado contra o poste, eu só consegui ver a sombra do corpo dele”, conta ela.
Eliane voltou para a cozinha, quando aparece seu pai, Waldemar Ewald, gritando que havia algo de errado com Egon.
“Meu pai saiu correndo e viu o Egon com as mãos apoiadas nos ombros do cara. No momento que fomos até a porta não vimos mais ninguém. Meu pai começou a chamar por ele. Então o cara apareceu, olhou na minha direção, mirou na cabeça do meu pai e atirou. Sorte que meu pai conseguiu se abaixar. Meu filho, com 14 anos na época, foi o primeiro a ver o Egon. Eu saí correndo atrás do bandido, mas meu filho começou a gritar: mãe, ele ainda tá vivo, vem aqui, ou queres morrer também? Quando cheguei lá o Egon queria falar alguma coisa, mas estava com um corte no canto da boca e não conseguíamos entender. Meu filho foi o que teve mais noção na hora para chamar os bombeiros. Como estava demorando muito colocamos o Egon na caminhonete e fomos ao encontro da ambulância. Não deu tempo de chegar ao hospital. Ele deu seus últimos suspiros ainda comigo no carro. Aó começou o terror.”
No dia 02 de agosto ele foi morto. As investigações e depoimentos iniciaram apenas no dia 05. Porém, já dia 03, o Santa e o DC publicaram uma entrevista com o Secretário Regional de Segurança onde ele já afirmava que o crime não era de cunho político. O que deixou todos intrigados. Afinal, se nada ainda havia sido levantado sobre o caso, como um secretário regional poderia fazer uma afirmação dessas? Eliane se diz intrigada por isso até hoje.
Ela afirma também que logo após o ocorrido vários jornais publicaram informações falsas e distorcidas. Como a de que Egon teria recebido uma ligação anônima com ameaça de morte no dia do crime. “O Santa foi o jornal que mais omitiu informações e publicou muitos dados distorcidos. Nunca fui procurada por nenhum jornalista deles”, confirma Eliane. Procurados para comentar o ocorrido, a redação do Santa justificou não haver mais jornalistas ou editores da época do crime trabalhando no jornal.
Peritos divulgaram posteriormente que haveria mais pessoas no terreno ao lado vigiando a família na hora do crime. Dados mais precisos também foram divulgados, como que o assassino era canhoto e provavelmente quando o seu Egon fui cumprimentá-lo, ele já recebeu a primeira facada na barriga. Após o crime várias testemunhas denunciaram terem visto um carro seguindo o vereador durante o dia.
Algum tempo após o assassinato do vereador, as secretárias das Secretarias da Saúde e Educação – responsáveis pelas denúncias contra o prefeito -, registraram ocorrências de ameaças. “Na época várias pessoas que viram ou sabiam de algo foram ameaçadas, por isso ainda tenho esperança de que elas falem e que se descubra mais alguma coisa”, relembra a viúva.
A família não tinha um advogado próprio responsável pelo caso. Eliane se queixou muito do atendimento por parte da Polícia Civil de Rodeio. Ela afirma que: “ Eles não tiveram nenhum interesse ou vontade de esclarecer o caso. No dia seguinte ao assassinato foram encontrados alguns objetos estranhos na frente da minha casa. O meu vizinho que viu até os pegou com um plástico para não ter impressões digitais. Foi tudo entregado aos policiais civis. Nunca fizeram nada e ainda perderam todas essas provas.”
“Quando há a apreensão de algo, é feito um termo de apreensão, se houver responsabilidade de alguém perdendo algo que consta no termo essa pessoa é responsabilizada pessoalmente, se não é formalizado, em tese, esse objeto não existe no processo”, explica o advogado criminalista Rodrigo Novelli.
A Capitã Carolina Maria Bachmann do 10º Batalhão da Polícia Militar de Santa Catarina, confirma em entrevista que o trabalho da Polícia Civil de Santa Catarina é extremamente insatisfatório. “A responsabilidade prioritária da Polícia Militar não é investigar casos, mas sim flagra-los e tomar as devidas providências com os suspeitos. Hoje, a nossa Polícia Civil é deficitária. Como exemplo podemos tomar que a região do Médio Vale do Itajaí sequer tem um investigador próprio.”
O sistema policial tem várias falhas. Eliane diz que um dos motivos para a investigação não ter sido concluída foi a troca de comando dos responsáveis pelo caso. O delegado Marchetti, por exemplo, foi o que mais avançou nas investigações, porém ficou apenas 9 meses no caso quando foi transferido para a delegação da polícia estadual. Assim, todo o seu trabalho não teve devida continuidade.
“O delegado Marchetti foi um amparo para nós. Quando ele estava quase concluindo o caso, ele foi transferido. Assumiu o delegado Padilha, que nunca mais se importou com o caso.”
Como exemplo da complicação com o sistema policial, Eliane contou que foi ameaçada, de certa forma, dois dias depois do crime pelo delegado regional da época.
“Ele entrou na nossa casa, chegou a apontar o dedo pra mim e pro meu pai e disse: “vocês parem de falar que é crime político, vocês não tem sequer bens o suficiente para indenizar por danos morais esses nomes que estão espalhando por aí”. Isso nos intimidou muito, demoramos muito tempo para falar tudo.”
Outro fato curioso é que o prefeito, provável suspeito, não compareceu ao velório do vereador. Porém, o suposto assassino sim. A viúva conta que muito tempo depois se deu conta disso. Ela diz que ele passou a madrugada no velório, fazendo várias perguntas, como se alguém tinha visto ou reconhecido o assassino ou se Egon havia conseguido dizer alguma coisa.
Nas primeiras semanas a rotina da família mudou radicalmente. Um guarda particular ficava rondando a casa a noite inteira. Na noite anterior ao depoimento da família, um homem tentou invadir a casa. O guarda viu e ele recuou.
Eliane relembra que o delegado Marchetti teria confirmado quem seriam os assassinos, porém, eles não estariam presos por falta de provas concretas.
“Eu sei que o principal motivo de não terem concluído o caso é porque foi um crime político. E políticos perigosos tem muito poder sobre os outros. ”
Como consta no site JusBrasil, o processo do homicídio do vereador Egon, foi arquivado em 16 de novembro de 2013. O caso tem o prazo de 20 anos para ser reaberto.
Já com lágrimas nos olhos, Eliane conclui: “Eu não desejo nada de ruim para ninguém. Não desejo esse sofrimento nem para a família dessas pessoas que fizeram essa atrocidade com o meu marido, com o pai dos meus filhos. Eu só queria que fosse um caso oficialmente esclarecido e divulgado. Para todos terem a confirmação de quem foram essas pessoas. Por mim não precisam nem irem para cadeia. Eles já estão presos na consciência deles.”
Confira as reportagens vinculadas na época sobre o caso:
Fonte: Arquivo Pessoal
Por Julia Bailer Reinert
Vereador Egon Butzke que foi morto com 10 facadas